Valentes pilotos iranianos

Ricardo Gallo

Por SAMY ADGHIRNI, correspondente da Folha em Teerã e autor do blog Um brasileiro no Irã

Pilotos da aviação comercial no Irã têm a vida dura.
Sanções pesadas impostas a partir da fundação da república islâmica, em 1979, impedem o país de ser um ator normal da aviação internacional e geram graves brechas de segurança aérea.

As punições, impostas por razões que vão desde o programa nuclear até violações de direitos humanos, impedem o Irã de comprar aviões equipados com componentes americanos, o que na prática equivale à impossibilidade de comprar qualquer avião, já que quase todos levam material fabricado nos EUA.

Sobram à disposição alguns modelos russos, mas as empresas aéreas iranianas quase sempre preferem comprar no mercado negro aviões europeus ou americanos de segunda mão ou peças de reposição contrabandeadas.

O resultado é uma frota comercial nacional de cerca de 200 aviões com média de idade de 22 anos. Alguns Boeing 747 e 727 remontam aos anos 70 e não dão a mínima vontade de subir a bordo. Até aeronaves mais recentes, como Airbus A340 dos anos 90 que pertenciam à Lufthansa, têm jeitão cansado e equipamento ultrapassado.

Alguns dos famosos Fokker-100 da TAM foram repintados e voam por aqui sob as cores de companhias locais, segundo me confidenciou um dos mais respeitados consultores de negócios em Teerã.

Apesar de dois anos sem maiores incidentes, o Irã ainda é um dos recordistas em mortes por desastre aéreo –quase mil nos últimos dez anos.

Pilotos iranianos com quem conversei me contaram com orgulho que se consideram entre os melhores do mundo por voar em condições tão adversas.

“Quando surge algum problema num avião moderno, o computador de bordo identifica a origem e fornece a solução. Mas em alguns dos velhos modelos em que voamos, a toda hora aparecem problemas que não estão sequer catalogados no manual de instruções. Temos que ser muito criativos para encontrar soluções”, me relatou Arash Nezami*, 32, piloto da companhia privada Kish Air.

“Um piloto britânico é capaz de se aposentar sem nunca ter enfrentado uma situação de emergência, enquanto nós somos obrigados a nos acostumar com elas”, disse, numa conversa num café descolado de Teerã.

BOA FAMA

A boa fama dos pilotos iranianos é confirmada pelo engenheiro aeronáutico belga e também piloto Herman Boisdenghien, funcionário da Airbus posicionado em Teerã para supervisionar a manutenção da frota do fabricante europeu.

“Eles são muito bons mesmo. A formação é ótima e eles voam em situação de perrengue permanente. Além disso, são obrigados a lidar com programas de navegação e mapas completamente desatualizados, o que exige muito mais trabalho e concentração dos pilotos.”

O comandante Hooshang Shahbazi, 57, se tornou herói nacional ao conseguir a proeza de pousar com suavidade magistral um Boeing 727 da estatal Iran Air cujo trem de pouso dianteiro estava bloqueado, evitando uma catástrofe. (Veja a manobra abaixo)

Em vez dos louros oficiais, Shahbazi foi retribuído com aposentadoria compulsória sob pretexto de ter aparecido com uniforme da empresa na campanha mundial que ele lançou após o incidente pedindo o fim das sanções ao Irã. Mas há suspeitas de que o comandante foi cortado por reclamar publicamente de não ter recebido sequer um telefonema do governo após salvar 155 vidas.

Arash Jaberian*, 32, faz rotas da Iran Air para a Europa e, por isso, tem o privilégio de pilotar os Airbus A320 mais modernos da estatal, maior empresa aerea iraniana.

“A União Europeia tem regras muito rígidas e só permite que entrem em seu espaço aereo aparelhos em condições impecáveis”, diz Milad. “Gosto mesmo é de voar para Amsterdã ou Estocolmo, pois a tripulação fica lá por vários dias até o voo seguinte. Dá para curtir uma farra”.

Também conversei com a elegante Setareh Nouri, de apenas 25 anos, uma das raras mulheres na aviação iraniana. Funcionária da pequena empresa HESA, ela defendeu a reputação dos aparelhos ucranianos Antonov que ela pilota e qualifica de “potentes.”

“É errado achar que a origem do avião é o problema. Recentemente um Boeing 777 ultramoderno se espatifou nos EUA. Quando a hora chega, o local de fabricação não tem a menor importância.”

O piloto Hosein Nematzadeh*, 41, da privada Mahan Airlines, diz que competência técnica não basta. “Às vezes me vejo em situações em que o único que me resta é pedir ajuda a Deus.”

* nomes fictícios

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