Primeiro avião da Embraer acertou ao mirar na aviação regional e militar
“Se não fosse o Bandeirante, não haveria Embraer”, lembra, saudoso, um dos homens-chave para a criação e consolidação da fabricante brasileira de aviões que completa 50 anos nesta segunda-feira (19).
Ozires Silva, 88, foi o primeiro presidente da Embraer e participou ativamente da concepção desse bimotor turboélice que foi um “case” de sucesso, não apenas no Brasil mas também no exterior.
“O mundo já fabricava muitos aviões. Então que avião nós faríamos?”, questiona Ozires, engenheiro formado no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) que logo foi para o CTA (Centro Técnico Aeroespacial), em São José dos Campos, liderar a equipe do Bandeirante.
A resposta estava na aviação regional e na queda do número de cidades atendidas por voos regulares da aviação comercial no Brasil dos anos 1960 —o mesmo movimento era observado no mercado doméstico dos Estados Unidos.
Aeroportos menores tinham dificuldade em investir na estrutura necessária para receber um avião a jato, como pistas maiores. Para esses terminais no interior do Brasil e dos EUA, um turboélice, menor e mais leve, ainda era a solução ideal.
E o Bandeirante entrou com força no mercado americano, onde foi visto como o substituto perfeito do Douglas DC-3, antigo bimotor dos tempos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Entre 1970 e 1991, período de produção do Bandeirante, a Embraer recebeu encomendas de 32 empresas dos EUA, país que mais comprou o avião depois do Brasil.
Além de abastecer o mercado de aviação regional, no Brasil e no exterior, outra demanda que selaria o futuro do projeto era a necessidade por uma aeronave de transporte militar.
“O pulo do gato do Bandeirante foi a partir de uma necessidade da FAB de substituir seu avião de transporte. Mas o Ozires já olhava mais lá pra frente, pensando que era preciso produzir em série e o mercado brasileiro não sustenta uma indústria”, afirma Claudio Lucchesi, especialista em aviação e autor do livro “O Voo do Impossível”, que compila a história do primeiro avião da Embraer.
Batizado em homenagem aos homens que desbravaram o interior do Brasil a partir de São Paulo nos séculos 17 e 18, o Bandeirante também desbravou, ele próprio, céus ainda inéditos para um avião tupiniquim.
Foi ele o primeiro avião brasileiro certificado fora do país —a certificação, dada pelas agências reguladoras dos EUA e da Europa, é crucial para o sucesso internacional de qualquer avião—, o primeiro operado por companhias aéreas estrangeiras e o primeiro utilizado por Forças Armadas estrangeiras.
Companhias de 22 países encomendaram o Bandeirante. O avião, em sua versão militar, foi usado pelas Forças Aéreas de Brasil, Uruguai, Chile, Colômbia, Cabo Verde e Gabão.
Lucchesi ressalta que a fundação do ITA, no início da década de 1950, foi outro fator determinante para o sucesso do projeto.
“Os argentinos nessa época trouxeram vários projetistas alemães. Eles chegaram a ter um protótipo de caça a jato, mas quando os alemães foram embora devido a mudanças políticas, todo o programa aeronáutico foi por água abaixo.”
“Aqui no Brasil”, continua ele, “houve a visão de fazer um passo a passo. Ter uma instituição formando engenheiros aeronáuticos. O sonho era construir um avião, não voar”.
Não que as dificuldades fossem inexistentes, pelo contrário. “Diziam que aquilo era loucura, que o Brasil nunca ia fabricar um avião”, afirma Ozires, que chefiou uma equipe de menos de 10 engenheiros aeronáuticos para construir o protótipo do Bandeirante, que voou pela primeira vez em 1968.
Nos primeiros anos do projeto, a própria Aeronáutica demonstrou resistência, afirma Lucchesi. “Eles viam como um gasto de energia e orçamento. Prevalecia o raciocínio de que era muito mais fácil definir o que a gente quer e comprar lá fora.”
Em janeiro deste ano, dos cerca de 500 Bandeirantes produzidos, ainda havia 157 em operação no mundo.
Pode-se dizer que ele não só possibilitou a criação da Embraer como definiu o DNA da empresa de descobrir nichos de mercado.
Outros exemplos são o Tucano, avião militar produzido entre 1980 e 1996, e o ERJ-145, primeiro jato de passageiros brasileiro, em produção desde 1995.
O Tucano trouxe a inovação de manter a estrutura de um turboélice, com as vantagens de custo menor e facilidade de manutenção em relação ao jato, mas com comandos de voo que simulam um avião a jato. Isso transformou o modelo em ótima opção de treinamento para Forças Aéreas de países que não conseguiriam bancar a compra de jatos.
Já o ERJ-145, que inaugurou uma família de jatos regionais, se mostrou competitivo no mercado de aeronaves para 40-50 passageiros.