Europa diz que não vai aceitar veredicto dos EUA sobre Boeing suspenso

Em um indicativo de que o cenário para certificação de aviões não será mais o mesmo depois da crise envolvendo o Boeing 737 MAX, a Easa (Agência Europeia para a Segurança da Aviação) anunciou que não vai aceitar automaticamente o veredicto da americana FAA (Administração Federal de Aviação) sobre a aeronave.

Última geração do avião comercial mais vendido da história, o MAX teve seus voos suspensos em março deste ano, logo após um acidente com um modelo da Ethiopian Airlines deixar 157 mortos. Cinco meses antes, a queda de um MAX da indonésia Lion Air matou 189 pessoas.

A Boeing esperava retomar as operações com o avião no início do quatro trimestre deste ano, mas essa possibilidade perde força com a expectativa de um processo mais longo e minucioso para a certificação internacional do modelo depois dos ajustes.

As investigações de ambos os acidentes apontam para um erro no software MCAS (Sistema de Aumento de Características de Manobra, na sigla em inglês).

Esse software foi desenvolvido pela Boeing porque o MAX tem um motor com diâmetro maior em relação ao da geração anterior do 737. Essa característica aerodinâmica tende a empurrar o nariz do MAX para cima. Nessa situação, entra em cena o sistema que corrige o ângulo e estabiliza o avião.

Há dois sensores que informam ao MCAS o ângulo de ataque do avião. Segundo as investigações dos dois acidentes, porém, o sistema recebeu informações de apenas um dos sensores, que indicava que o nariz estava apontado para cima quando, na realidade, a aeronave estava estabilizada.

Ao corrigir o ângulo, o MCAS na verdade colocou o nariz do avião para baixo. Tanto no caso da Indonésia como no da Etiópia, a queda aconteceu logo após a decolagem, circunstância de baixa altitude que reduz o tempo de resposta para os pilotos.

Depois dos acidentes, a agência americana foi acusada de facilitar o processo de certificação do MAX, por se tratar da nova geração de um modelo que já está no mercado há cinco décadas, e não um avião inteiramente novo.

As atualizações da nova geração, entre elas o MCAS, haviam sido classificadas como de menor risco. A FAA sempre negou qualquer irregularidade e afirmou que segue os mais rígidos padrões de segurança.

A agência chinesa de certificação foi a primeira a suspender voos do MAX, um dia após a queda do avião na Etiópia, e foi logo seguida pelas principais reguladoras, entre elas a Easa e a brasileira Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). A FAA esperou mais dois dias até decidir pela suspensão em solo americano.

Agora, os europeus afirmaram que vão exigir testes independentes do avião para atestar se os problemas foram corrigidos.

Documento apresentado ao Parlamento Europeu na última terça-feira (3) especificou quatro exigências da Easa:

  • a agência não vai delegar à americana FAA, como costumava ocorrer, a aprovação das mudanças no 737 MAX;
  • será feita uma análise “independente ampla e adicional”;
  • a Easa quer ter certeza de que ambos os acidentes envolvendo o MAX foram totalmente compreendidos;
  • é exigido que todos os tripulantes do MAX sejam treinados adequadamente.

A agência reguladora pretende testar o avião com o software corrigido em cenários e manobras extremas, tanto com o MCAS ativado como desativado.

Historicamente, há uma cooperação entre as agências de certificação, com a FAA aceitando as análises da Easa sobre aviões europeus, como os da Airbus, e os europeus validando o trabalho dos americanos. A mudança de atitude em meio à crise do 737 MAX indica que esse cenário mudou.

O diretor-geral da Iata (Agência Internacional de Transporte Aéreo), Alexandre de Juniac, manifestou preocupação com esse ambiente acirrado. “Com o 737 MAX estamos um pouco preocupados porque não vemos a unanimidade normal entre reguladores internacionais que deveria ser o caso. Vemos uma discrepância que é prejudicial à indústria”, disse à Reuters.